Depois de um ano e meio de políticas de favorecimento das importações com o objectivo de baixar os preços em período eleitoral, eis que o Estado ressuscita o DP 23/19 para revivermos um novo período de proteccionismo sem limites!
Por Heitor Carvalho (*)
Em primeiro lugar, este ziguezague de políticas, ora favorecendo a importação, ora condicionando-a, é o pior que se pode fazer para captar investimento. Os negócios têm de conhecer as políticas do Estado para orientarem os seus investimentos. O país não pode, num momento, atrair investimento comercial baseado em preços baixos dos produtos importados e, imediatamente a seguir, impedir o seu sucesso, destruindo os investimentos efectuados. Os empresários vão transmitir as suas experiências a outros empresários e o investimento irá reduzir-se porque ninguém terá confiança na estabilidade das políticas do Estado! O país tem de ter um rumo!
A primeira questão no que diz respeito à política comercial externa do Estado é, evidentemente, a taxa de câmbio. Se um produto custar 1 USD no porto de Luanda ele custará 400 Kwanzas se a taxa estiver a 400, mas custará 800 Kwanzas, se a taxa estiver a 800. Existem muitos factores que determinam a nossa competitividade externa, mas, com uma taxa de câmbio com esta volatilidade, a PRINCIPAL CONDICIONANTE é, obviamente, a TAXA DE CÂMBIO.
Procurar uma taxa demasiado baixa, como aconteceu em 2022, injectando os rendimentos excedentes do petróleo no mercado cambial, coloca os produtos externos mais baratos do que os nacionais. Isto, evidentemente reduziu os preços, mas subsidiou as importações, que aumentaram exponencialmente. Para manter a situação, teria sido necessário continuar a abastecer com um elevado volume de USD o mercado cambial, o que se revelou impossível com a redução dos preços e da produção petrolífera. O fosso entre a procura de produtos importados e a moeda externa disponível no mercado cambial aumentou, fazendo disparar a taxa de câmbio!
Portanto, só uma taxa de câmbio que neutralize as variações dos rendimentos petrolíferos resultantes do preço do petróleo pode dar alguma estabilidade à inflação (continuaremos dependentes das variações da produção) e atrair investimentos de longo prazo.
Passou-se agora para a política inversa, de proibir a importação do que se produz no país! Por muito bem acolhida socialmente que esta seja é, na verdade, extremamente penalizante para a produção nacional e para os consumidores, que são a totalidade da sociedade:
a) Porque os produtores nacionais existentes não têm incentivos para se tornarem mais competitivos, ou seja, mais baratos.
Pensamos que o Kwanza está sub-valorizado e que a taxa de câmbio actual permite preços internos mais elevados do aqueles que a estrutura de custos da nossa produção exige. O nosso custo de produção é hoje mais baixo do que o custo dos produtos importados. Se produzimos internamente o equivalente a 1 USD CIF (Custo, Seguro e Frete em inglês) Luanda de um dado produto a 750 Kwanzas, por exemplo, mas a taxa de câmbio coloca o produto externo no nosso mercado a 800 Kwanzas, o que pensa o leitor que irá acontecer? Naturalmente o produtor interno irá subir os seus preços até onde a concorrência lhe permite, os 800 Kwanzas. Se não houver importações, pior será, não havendo limite para os preços enquanto a concorrência interna for pequena.
b) Porque limita o aparecimento de mais negócios, dado que nenhum empresário sério pode aceitar colocar o seu dinheiro num ambiente empresarial em que um funcionário do Estado possa condicionar a liberdade de escolha dos seus fornecedores. Um novo empresário, ao estudar o mercado, não aceitará colocar o seu investimento à mercê das decisões políticas ou pessoais de terceiros, a não ser que pense que poderá condicioná-las. A atracção do investimento de longo prazo será mínima e, sem ela, a produção interna não irá crescer de forma não criar escassez. O resultado da aplicação do DP 23/19 foi exactamente este: pouco interesse em desenvolver a produção e maior escassez de produtos no mercado, elevando os lucros dos empresários, não à custa do aumento da produção, mas à custa de margens elevadas. O actual Ministro de Estado para a Coordenação Económica (MECE), afirmou, creio que no início de 2021, enquanto Governador do BNA que o principal problema da inflação era, exactamente, a escassez.
c) Porque cria condições que potenciam a corrupção através do relacionamento directo entre o agente do Estado e o importador. Acreditamos que muitos dos funcionários do Estado e empresários sejam honestos, mas quando se abre uma porta à corrupção não há forma de a impedir. Os honestos verão como os outros têm êxito e irão copiá-los. Pior ainda do que a corrupção, os empresários desenvolverão mais competências para obterem vantagens nos ministérios do que para fazerem os seus negócios, o que agravará a competitividade, produzirá escassez e aumentará os preços. Todos conhecemos os muitos empresários Estado-dependentes que temos no nosso tecido empresarial! Será que queremos reproduzir o modelo?
d) Porque fomenta a resistência à entrada de novos operadores por parte dos que já existem e detêm poder e influência. Os operadores existentes, empurrados pelas políticas do Estado para modelos de negócios baseados em margens elevadas, irão naturalmente resistir à entrada de novos concorrentes. Acresce que, se o critério for a proibição do que já se produz, nunca teremos produção do que ainda não se produz, cuja protecção necessária, será sempre inexistente.
e) Porque, reduzindo a nossa competitividade internacional, aumentará a desvalorização do Kwanza, o que afectará toda a economia, numa espiral negativa difícil de travar.
f) Porque a proibição irá determinar respostas idênticas dos restantes Estados, isolando-nos do mundo. Estas políticas proteccionistas exacerbadas têm sido o pior entrave à nossa integração regional na SADC, condicionando fortemente o nosso desenvolvimento!
g) Finalmente, porque ninguém se torna competitivo sendo proibido de competir! Seria o mesmo que querer que os nossos clubes de futebol ganhassem competitividade em África proibindo-os de ir às competições africanas. É o mais completo absurdo! As importações têm um importantíssimo papel a desempenhar na competitividade da economia e na redução dos preços. Um empresário nacional deve ser protegido de forma a poder enfrentar a concorrência externa, não de forma a ser impedido de aprender a fazer melhor, competindo com os outros!
O Estado deve, antes de mais, velar para que a taxa de câmbio varie o menos possível. Se conseguimos produzir o equivalente a 1 USD CIF Luanda a 700 Kwanzas, a nossa taxa de câmbio deve ser de 700 Kwanzas/USD, nem 500 nem 800. Porque uma taxa de 500 será insustentável, criando uma procura artificial que lançará, em breve, a taxa para 800, como acabou de acontecer; e uma taxa de 800 empurra a produção interna para modelos de negócios baseados em margens elevadas.
O preço das importações é determinado pelo preço CIF em USD, pela taxa de câmbio e pelos impostos e outros custos aduaneiros. Não adianta definir taxas protectoras da produção interna se, de seguida, a taxa de câmbios baixa (tornando os produtos internos mais caros) ou sobe (tornando as importações tão caras que não cumprem o seu papel de aumentar a competitividade da produção interna). Portanto, TUDO depende de uma taxa de câmbio estável, que proteja a produção interna em geral, correspondendo à competitividade média dos nossos produtos mais importantes face aos mesmos produtos importados.
Uma vez estabilizada a taxa, protegendo a produção interna em geral, o Estado deve proteger as produções dos produtos menos competitivos, os que já produzimos e os que ainda não se produzem, através de taxas aduaneiras adequadas com um calendário de vigência bem determinado e, eventualmente, subsidiar os preços dos insumos e a aquisição de bens de investimento em geral e o crédito, promovendo o aparecimento de mais produções e mais negócios.
Enquanto isso não for concertado ao nível das estruturas do Estado (BNA e Governo), o apoio à produção interna será sempre confuso e em ziguezagueante, como tem sido até hoje!
(*) https://www.cinvestec.com
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